NEIO LÚCIO
Um grande senhor que soubera amontoar sabedoria, além da riqueza,
auxiliava diversos amigos pobres, na manutenção do bom ânimo, na luta pela
vida.
Sentindo-se mais velho, chamou o filho à cooperação. O rapaz deveria
aprender com ele a distribuir gentilezas e bens.
Para começar, enviou-o à residência de um companheiro de muitos anos, ao
qual destinava trezentos cruzeiros mensais.
O jovem seguiu-lhe as instruções.
Viajou seis quilômetros e encontrou a casa indicada. Contrariando-lhe a
expectativa, porém, não encontrou um pardieiro em ruínas. O domicílio,
apesar de modesto, mostrava encanto e conforto. Flores perfumavam o ambiente e
alvo linho vestia os móveis com beleza e decência.
O beneficiário de seu pai cumprimentou-o, com
alegria efusiva, e, depois de inteligente palestra, mandou trazer o café num
serviço agradável e distinto. Apresentou-lhe familiares e amigos que se
envolviam, felizes, num halo enorme de saúde e contentamento.
Reparando
a tranquilidade e a fartura, ali reinantes, o portador regressou ao lar, sem entregar
a dádiva.
— Para quê? — confabulava consigo mesmo — aquele
homem não era um pedinte. Não parecia guardar problemas que merecessem compaixão
e caridade. Certo, o genitor se enganara.
De volta,
explicou ao velho pai, partícularizadamente, quanto vira, restituindo-lhe a
importância de que fora emissário.
O ancião, contudo, após ouvi-lo calmamente,
retirou mais dinheiro da bolsa, dobrou a quantia e considerou:
— Fizeste bem, tornando até aqui. Ignorava que o
nosso amigo estivesse sob mais amplos compromissos. Volta à residência dele e,
ao invés de trezentos, entrega-lhe seiscentos cruzeiros, mensalmente, em meu
nome, de ora em diante. A
sua nova situação reclama recursos duplicados.
— Mas, meu pai — acentuou o moço —, não se trata
de pessoa em posição miserável.
Ao que suponho, o
lar dele possui tanto conforto, quanto o nosso.
Folgo bastante com a noticia — exclamou
o velho.
E,
imprimindo terna censura à voz conselheiral, acrescentou:
— Meu filho, se não é lícito dar remédio aos sãos
e esmolas aos que não precisam delas, semelhante regra não se aplica aos
companheiros que Deus nos confiou. Quem socorre o amigo, apenas nos dias de
extremo infortúnio, pode exercer a piedade que humilha ao invés do amor que
santifica. Quem espera o dia do sofrimento para prestar o favor, muita vez não
encontrará senão silêncio e morte, perdendo a melhor oportunidade de ser útil.
Não devemos exigir que o irmão de jornada se converta em mendigo, a fim de parecermos
superiores a ele, em todas as circunstâncias. Tal atitude de nossa parte
representaria crueldade e dureza. Estendamos-lhe nossas mãos e façamo-lo subir
até nós, para que nosso concurso não seja orgulho vão. Toda gente no mundo pode
consolar a miséria e partilhar as aflições, mas raros aprendem a acentuar a
alegria dos entes amados, multiplicando-a para eles, sem egoísmo e sem inveja
no coração. O amigo verdadeiro, porém, sabe fazer isto. Volta, pois, e atende
ao meu conselho para que nossa afeição constitua sementeira de amor para a
eternidade. Nunca desejei improvisar necessitados, em torno de nossa porta e,
sim, criar companheiros para sempre.
Foi então que o rapaz, envolvido na sabedoria paterna, cumpriu quanto
lhe fora determinado, compreendendo a sublime lição de amizade real.
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