Tema
da semana
“Ressurreição
e Reencarnação"
de
28/05/2012 a 03/06/2012
Allan
Kardec
O
EVANGELHO SEGUNDO O ESPIRITISMO
Ressurreição
e Reencarnação
4.
A reencarnação fazia parte dos dogmas dos judeus, sob o nome de
ressurreição. Só os saduceus, cuja crença era a de que tudo acaba
com a morte, não acreditavam nisso. As ideias dos judeus sobre esse
ponto, como sobre muitos outros, não eram claramente definidas,
porque apenas tinham vagas e incompletas noções acerca da alma e da
sua ligação com o corpo.
Criam eles que um homem que vivera podia reviver, sem saberem
precisamente de que maneira o fato poderia dar-se.
Designavam pelo termo ressurreição o que o Espiritismo, mais
judiciosamente, chama
reencarnação.
Com efeito, a ressurreição dá ideia de voltar à vida o corpo que
já está morto, o
que a Ciência demonstra ser materialmente impossível,
sobretudo quando os elementos desse corpo já se acham desde muito
tempo dispersos e absorvidos. A
reencarnação é a volta da alma ou Espírito à vida corpórea, mas
em outro corpo especialmente formado para ele e que nada tem de comum
com o antigo.
A palavra ressurreição podia assim aplicar-se a Lázaro, mas não a
Elias, nem aos outros profetas. Se, portanto, segundo a crença
deles, João Batista era Elias, o corpo de João não podia ser o de
Elias, pois que João fora visto criança e seus pais eram
conhecidos. João,
pois, podia ser Elias reencarnado, porém, não ressuscitado.
5.
Ora, entre os fariseus, havia um homem chamado Nicodemos, senador dos
judeus - que veio à noite ter com Jesus e lhe disse: "Mestre,
sabemos que vieste da parte de Deus para nos instruir como um doutor,
porquanto ninguém poderia fazer os milagres que fazes, se Deus não
estivesse com ele."
Jesus
lhe respondeu: "Em verdade, em verdade, digo-te: Ninguém pode
ver o reino de Deus se não nascer de novo."
Disse-lhe
Nicodemos: "Como pode nascer um homem já velho? Pode tornar a
entrar no ventre de sua mãe, para nascer segunda vez?”
Retorquiu-lhe
Jesus: "Em verdade, em verdade, digo-te: Se um homem não
renasce da água e do Espírito, não pode entrar no reino de Deus. -
O que é nascido da carne é carne e o que é nascido do Espírito é
Espírito. - Não te admires de que eu te haja dito ser preciso que
nasças de novo.
- O Espírito sopra onde quer e ouves a sua voz, mas não sabes donde
vem ele, nem para onde vai; o mesmo se dá com todo homem que é
nascido do Espírito."
Respondeu-lhe
Nicodemos: "Como pode isso fazer-se?" - Jesus lhe observou:
"Pois quê! és mestre em Israel e ignoras estas coisas? Digo-te
em verdade, em verdade, que não dizemos senão o que sabemos e que
não damos testemunho, senão do que temos visto. Entretanto, não
aceitas o nosso testemunho. - Mas, se não me credes, quando vos falo
das coisas da Terra, como me crereis, quando vos fale das coisas do
céu?" (S. JOÃO, cap. III, vv. 1 a 12.)
6.
A idéia de que João Batista era Elias e de que os profetas podiam
reviver na Terra se nos depara em muitas passagens dos Evangelhos,
notadamente nas acima reproduzidas (nº 1, nº 2, nº 3). Se fosse
errônea essa crença, Jesus não houvera deixado de a combater, como
combateu tantas outras. Longe
disso, ele a sanciona com toda a sua autoridade e a põe por
princípio e como condição necessária, quando diz: "Ninguém
pode ver o reino de Deus se não nascer de novo." E insiste,
acrescentando: Não te admires de que eu te haja dito ser preciso
nasças de novo.
7.
Estas palavras: Se um homem não renasce da água e do
Espírito foram interpretadas no sentido da regeneração pela água
do batismo. O texto primitivo, porém, rezava simplesmente: não
renasce da água e do Espírito, ao passo que nalgumas traduções as
palavras - do Espírito - foram substituídas pelas seguintes: do
Santo Espírito, o que já não corresponde ao mesmo pensamento. Esse
ponto capital ressalta dos primeiros comentários a que os Evangelhos
deram lugar, como se comprovará um dia, sem equívoco possível. (1)
(1)
A tradução de Osterwald está conforme o texto primitivo. Diz: “Não
renasce da água e do Espírito”; a de Sacy diz: do Santo Espírito;
a de Lamennais: do Espírito Santo. À nota de Allan Kardec, podemos
hoje acrescentar que as modernas traduções já restituíram o texto
primitivo, pois que só imprimem “Espírito” e não
Espírito Santo. Examinamos a tradução brasileira, a inglesa, a
em esperanto, a de Ferreira de Almeida, e todas elas está somente
“Espírito”. Além dessas modernas, encontramos a confirmação
numa latina de Theodoro de Beza, de 1642, que diz: “...genitus ex
aqua et Spiritu...” “...et quod genitum est ex Spiritu, spiritus
est.” É fora de dúvida que a palavra “Santo” foi interpolada,
como diz Kardec. - A Editora da FEB, 1947.
8.
Para se apanhar o verdadeiro sentido dessas palavras, cumpre também
se atente na significação do termo água que ali não fora
empregado na acepção que lhe é própria.
Muito
imperfeitos eram os conhecimentos dos antigos sobre as ciências
físicas. Eles
acreditavam que a Terra saíra das águas e, por isso, consideravam a
água como elemento gerador absoluto.
Assim é que na Gênese se lê: "O Espírito de Deus era levado
sobre as águas; flutuava sobre as águas; - Que o firmamento seja
feito no meio das águas; - Que as águas que estão debaixo do céu
se reúnam em um só lugar e que apareça o elemento árido; - Que as
águas produzam animais vivos que nadem na água e pássaros que voem
sobre a terra e sob o firmamento."
Segundo
essa crença, a água se tornara o símbolo da natureza material,
como o Espírito era o da natureza inteligente. Estas palavras: "Se
o homem não renasce da água e do Espírito, ou em água e em
Espírito", significam pois: "Se
o homem não renasce com seu corpo e sua alma."
E nesse sentido que a principio as compreenderam.
Tal
interpretação se justifica, aliás, por estas outras palavras: O
que é nascido da carne é carne e o que é nascido do Espírito é
Espírito. Jesus estabelece aí uma distinção positiva entre o
Espírito e o corpo. O que é nascido da carne é carne indica
claramente que só o corpo procede do corpo e que o Espírito
independe deste.
9.
O Espírito sopra onde quer; ouves lhe a voz, mas não sabes nem
donde ele vem, nem para onde vai: pode-se
entender que se trata do Espírito de Deus, que dá vida a quem ele
quer, ou da alma do homem.
Nesta última acepção - “não sabes donde ele vem, nem para onde
vai -
significa que ninguém sabe o que foi, nem o que será o Espírito.
Se o Espírito, ou alma, fosse criado ao mesmo tempo que o corpo,
saber-se-ia donde ele veio, pois que se lhe conheceria o começo.
Como quer que seja, essa
passagem consagra o princípio da preexistência da alma e, por
conseguinte, o da pluralidade das existências.
10.
Ora, desde o tempo de João Batista até o presente, o reino dos céus
é tomado pela violência e são os violentos que o arrebatam; - pois
que assim o profetizaram todos os profetas até João, e também a
lei. - Se quiserdes compreender o que vos digo, ele mesmo é o
Elias que há de vir. - Ouça-o aquele que tiver ouvidos
de ouvir. (S. MATEUS, cap. XI, vv. 12 a 15.)
11.
Se o princípio da reencarnação, conforme se acha expresso em S.
João, podia, a rigor, ser interpretado em sentido puramente místico,
o mesmo já não acontece com esta passagem de S. Mateus, que não
permite equívoco: ELE
MESMO é o Elias que há de vir.
Não há aí figura, nem alegoria: é uma afirmação positiva.
-"Desde o tempo de João Batista até o presente o reino dos
céus é tomado pela violência." Que significam essas palavras,
uma vez que João Batista ainda vivia naquele momento? Jesus as
explica, dizendo: "Se quiserdes compreender o que digo, ele
mesmo é o Elias que há de vir." Ora,
sendo João o próprio Elias, Jesus alude à época em que João
vivia com o nome de Elias.
"Até o presente o reino dos céus é tomado pela violência":
outra alusão à violência da lei moisaica, que ordenava o
extermínio dos infiéis, para que os demais ganhassem a Terra
Prometida, Paraíso dos hebreus, ao passo que, segundo a nova lei, o
céu se ganha pela caridade e pela brandura.
E
acrescentou: Ouça
aquele que tiver ouvidos de ouvir. Essas palavras, que Jesus tanto
repetiu, claramente dizem que nem todos estavam em condições de
compreender certas verdades.
12.
Aqueles do vosso povo a quem a morte foi dada viverão de novo;
aqueles que estavam mortos em meio a mim ressuscitarão. Despertai do
vosso sono e entoai louvores a Deus, vós que habitais no pó; porque
o orvalho que cai sobre vós é um orvalho de luz e porque
arruinareis a Terra e o reino dos gigantes. (ISAÍAS, cap. XXVI, v.
19.)
13.
E também muito explícita esta passagem de lsaías: "Aqueles do
vosso povo a quem a morte foi dada viverão de novo." Se o
profeta houvera querido falar da vida espiritual, se houvera
pretendido dizer que aqueles que tinham sido executados não estavam
mortos em Espírito, teria dito: ainda vivem, e não: viverão de
novo. No
sentido espiritual, essas palavras seriam um contrassenso, pois que
implicariam uma interrupção na vida da alma. No sentido de
regeneração moral, seriam a negação das penas eternas, pois que
estabelecem, em princípio, que todos os que estão mortos reviverão.
14.
Mas, quando o homem há morrido uma vez, quando seu corpo, separado
de seu espírito, foi consumido, que é feito dele? -Tendo morrido
uma vez, poderia o homem reviver de novo? Nesta guerra em que me acho
todos os dias da minha vida, espero que chegue a minha mutação.
(JOB, cap. XIV, v. 10,14. Tradução de Le Maistre de Sacy.)
Quando
o homem morre, perde toda a sua força, expira. Depois, onde está
ele? - Se o homem morre, viverá de novo? Esperarei todos os dias de
meu combate, até que venha alguma mutação? (ID. Tradução
protestante de Osterwald.)
Quando
o homem está morto, vive sempre; acabando os dias da minha
existência terrestre, esperarei, porquanto a ela voltarei de novo.
(ID. Versão da Igreja grega.)
15.
Nessas três versões, o princípio da pluralidade das existências
se acha claramente expresso. Ninguém poderá supor que Job haja
querido falar da regeneração pela água do batismo, que ele de
certo não conhecia. "Tendo o homem morrido uma vez, poderia
reviver de novo?" A ideia de morrer uma vez, e de reviver
implica a de morrer e reviver muitas vezes. A versão da Igreja grega
ainda é mais explícita, se é que isso é possível: "Acabando
os dias da minha existência terrena, esperarei, porquanto a ela
voltarei", ou, voltarei à existência terrestre. Isso é tão
claro, como se alguém dissesse: "Saio de minha casa, mas a ela
tornarei."
"Nesta
guerra em que me encontro todos os dias de minha vida, espero que se
dê a minha mutação." Job, evidentemente, pretendeu referir-se
à luta que sustentava contra as misérias da vida. Espera a sua
mutação, isto é, resigna-se. Na versão grega, esperarei parece
aplicar-se, preferentemente, a uma nova existência: "Quando a
minha existência estiver acabada, esperarei, porquanto a ela
voltarei." Job como que se coloca, após a morte, no intervalo
que separa uma existência de outra e diz que lá aguardará o
momento de voltar.
16.
Não há, pois, dúvida de que, sob o nome de ressurreição, o
princípio da reencarnação era ponto de uma das crenças
fundamentais dos judeus, ponto que Jesus e os profetas confirmaram de
modo formal; donde se segue que negar a reencarnação é negar as
palavras do Cristo. Um dia, porém, suas palavras, quando forem
meditadas sem ideias preconcebidas, reconhecer-se-ão autorizadas
quanto a esse ponto, bem como em relação a muitos outros.
17.
A essa autoridade, do ponto de vista religioso, se adita,
do ponto de vista filosófico, a das provas que resultam da
observação dos fatos. Quando se trata de remontar dos efeitos às
causas, a reencarnação surge como de necessidade absoluta, como
condição inerente à Humanidade; numa palavra: como lei da
Natureza. Pelos seus resultados, ela se evidencia, de modo, por assim
dizer, material, da mesma forma que o motor oculto se revela pelo
movimento. Só
ela pode dizer ao homem donde ele vem, para onde vai, por que está
na Terra, e justificar todas as anomalias e todas as aparentes
injustiças que a vida apresenta.
Sem
o princípio da preexistência da alma e da pluralidade das
existências, são ininteligíveis, em sua maioria, as máximas do
Evangelho, razão por que hão dado lugar a tão contraditórias
interpretações. Está nesse princípio a chave que lhes restituirá
o sentido verdadeiro.
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