Tema da semana
“Parábola
do mau rico”
de 30/07/2012 a
05/08/2012
Irmão X
Conta-se que o Rico da
Parábola, após desiludir-se quanto aos propósitos de voltar à
Terra, a fim de anunciar a verdade aos parentes, atormentado de sede
desceu às regiões mais baixas do purgatório, forradas de fogo
devorador.
De algum modo,
resignara-se com os tormentos que lhe assediavam o coração, porque
fizera por merecê-los, bem o reconhecia. Despojara viúvas
paupérrimas, perseguira órfãos desprotegidos e provocara a
falência de homens honestos; faltara a princípios comezinhos de
caridade, praticara a usura e subornara consciências frágeis.
Sempre decidido a valer-se do fascínio do ouro, aproveitara muita
gente invigilante e inclinada ao mal, a serviço da ambição que lhe
era própria. Receando o futuro, amealhara consideráveis haveres
para os filhos; rodeara-os de vantagens e facilidades econômicas, à
custa do angustiado suor dos humildes, por ele convertidos em
escravos sofredores. Em suma, fora cruel e fazia jus à punição.
Entretanto, não se conformava com a impossibilidade de avistar-se
com a família. Porque não voltar à Terra para renovar a concepção
da mulher e dos filhos? A companheira sempre fora fiel às suas
recomendações. Se pudesse falar-lhe, corrigiria tudo a tempo.
Todavia, Pai Abraão não lhe proporcionara qualquer esperança.
Refletia, amargurado,
consigo mesmo, quando surgiu alguém no seio das sombras. A
princípio, não reconhecera o recém-chegado, mas, depois de um
abraço, o visitante exclamou:
Não se lembra?
Retribuiu
emocionadamente. Recordava-se, agora. Aquele era Benjamim, filho de
Habacuc, que o precedera no túmulo. Espantava-o a surpresa do
reencontro. Benjamim, tanto quanto ele próprio, fora usurário, de
coração frio e duro. O manto roto denunciava-lhe a penosa situação
e a cinza que lhe cobria as mãos, o rosto e os cabelos davam a ideia
de que o mísero emergia do bojo de uma cratera.
Terminadas as saudações
da hora, o Rico humilhado expôs-lhe o caso pessoal. Conformava-se
com o purgatório tenebroso, no reconhecimento de suas culpas,
contudo desesperava-se pela impossibilidade de voltar a casa, para
relacionar a verdade dos fato.
O outro, porém, após
ouvi-lo pacientemente, assegurou:
– Não vale a pena
inquietar-se. Voltei e nada consegui.
– Voltou? – inquiriu
o novo condenado, deixando transparecer, na voz, um raio de
esperança.
– Sim.
– E chegou a visitar
sua casa, sua mulher, seus filhos, seus servos, suas propriedades,
suas terras, seus jumentos, seus camelos, seus bois?
– Sim.
– Visitou o templo?
– Visitei.
– Tornou a cruzar
nossos campos?
– Tornei.
O Rico chegou a olvidar
as aflições do momento e, contemplando o interlocutor, admirado,
prosseguiu:
– E os familiares?
Reconheceram-no?
O interpelado entrou em
silêncio. Algumas lágrimas umedeceram-lhe os olhos sombrios.
Instado pelo amigo,
informou, com desapontamento:
– Visitei a família,
detive-me nas propriedades que julguei me pertencessem, rendi
homenagem aos tesouros de nossa raça, mas ninguém me reconheceu.
Decorridos alguns dias sobre a morte do meu corpo, desarmonizaram-se
meus filhos por questões da herança que lhes deixei. Rúben amputou
o braço de Eliazar numa cena de sangue, Esaú amaldiçoou os irmãos
e entregou-se ao vinho pela ausência do trabalho e Simeão
enlouqueceu no vício. Minha esposa, não obstante a idade,
apaixonou-se por um rico mercador de tapetes que se assenhoreou do
nosso dinheiro e das preciosidades domésticas que me eram mais
caras, conduzindo-a para Eades. Minhas terras de Gaza foram vendidas
a qualquer preço a libertos romanos, meus camelos foram entregues, a
troco de reduzidas moedas, a velhacos negociantes do deserto, meus
bois foram mortos, meus jumentos dispersos. Alguns de meus servos
fugiram espancados, enquanto outros foram vendidos para Chipre.
Minhas propriedades rurais mergulharam no mato, caindo no abandono e
entregues a criadores de cavalos e porcos.
Mostrou o Rico uma careta
de angústia e perguntou:
– Mas a mulher e os
filhos não o reconheceram,
– Visitei-os à noite,
para conversarmos a sós, no entanto expulsaram-me em desespero,
insistindo para que eu descesse para sempre aos infernos. Em vão
procurei fazer insinuar-me entre eles. Não acreditaram na minha
presença e fizeram-se surdos às minhas palavras.
Desencantado, o Rico
perguntou:
– Não fez reclamações
aqui? não rogou o socorro de Pai Abraão?
Voltou-se o companheiro,
explicando gravemente:
– Pedi o amparo dos
mensageiros de Jeová, entretanto, em nome d’Ele, nosso Eterno
Senhor, esclareceram-me que a obra era minha, que nunca fui
verdadeiramente esposo de minha mulher e pai de meus filhos nem amigo
dos cooperadores e dos animais que me serviam diariamente. Jamais
auxiliara os meus na aquisição dos valores positivos do espírito
imortal e nem criara nas propriedades de que fui mordomo infiel o
ambiente de amor e harmonia, calma e confiança que Jeová, em vão,
esperou de mim. Apegara-me simplesmente à usura, ao egoísmo, à
admiração e culto de mim mesmo, dilatando a vaidade de minha
dominação indébita.
E concluiu, com tristeza
:
– Por isso, mereci a
ironia da sorte e a incompreensão dos meus.
O Rico ouviu, meditou,
consultou as próprias reminiscências e, erguendo os braços para o
alto, exclamou:
– Glória a Pai Abraão
que não permitiu meu regresso à Terra e me deu a sede angustiosa e
o fogo consumidor para que sarem as feridas de minha alma!
E, resignado, deitou-se
na cinza quente do purgatório, esperando o futuro.
Livro “Lázaro
Redivivo”. Psicografia de Francisco Cândido Xavier.
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