Tema da semana
“Dar-se-á àquele
que tem”
de 19/08/2013 a
25/08/2013
Humberto
de Campos
Na
paisagem de luz, antes da imersão nos fluidos terrestres, Efraim
recebia as últimas recomendações do Guia venerável:
-
Vai, meu filho. Seja a próxima experiência na Terra, uma estação
nova de trabalho construtivo. Recorda que és portador de nobre
mensagem. A tarefa a que te propões é das mais edificantes.
Distribuirás o pão do conforto espiritual, no esforço de amor em
que te inspiras. Não olvides que energias diversas se conjugarão no
mundo, para distrair-te a atenção dos objetivos traçados. É
indispensável que te fortaleças na confiança em Deus, em todos os
momentos da vida humana. Cada homem permanece no Planeta com a
lembrança viva dos compromissos assumidos, revelando singularidades
que a ciência das criaturas considera vocações espontâneas. A
luta começa na infância, porque raros pais, na Terra, estão aptos
a orientar conscientemente os filhos confiados à sua guarda.
Resiste, porém, e aprende a conservar tuas energias nos altiplanos
da fé. Lembra a tarefa santificante, cometida ao teu esforço, e não
escutes vozes tentadoras, nem desfaleças ante os tropeços naturais,
que se amontoam nos caminhos da redenção. Há operários que,
embora possuídos de belas intenções, estacionam inadvertidamente,
por darem ouvidos aos enigmas que o mundo inferior lhes propõe em
cada dia. Segue na estrada luminosa do bem, de olhar fixo no trabalho
conferido às tuas mãos. Não olvides que Deus ajuda sempre; mas,
nem por isso, poderás prescindir do próprio esforço em auxílio de
ti mesmo.
O
candidato à nobre missão, reconhecido e feliz, osculou as mãos do
benfeitor e partiu. A esperança lhe acariciava os sentimentos mais
puros. Não cabia em si de contentamento, pois recebera a formosa
tarefa de repartir esclarecimentos e consolação entre os sofredores
da Terra. Com que enlevo e satisfação lhes falaria das verdades
sublimes de Deus! Mostraria a função aperfeiçoadora do sofrimento,
enaltecendo o serviço construtivo da dor. Enquanto fornecesse
testemunhos de fé na redenção própria, exemplificando no esforço
dos homens de bem, reuniria materiais divinos para melhor atender ao
imperativo do trabalho conferido à sua responsabilidade individual.
Todavia,
consoante as observações ministradas pelo mentor compassivo e
sábio, o trabalhador encontrou as primeiras dificuldades no próprio
lar a que foi conduzido pelas teias de carinhosa atração. Ao passo
que os amigos da esfera invisível buscavam multiplicar-lhe as noções
de ordem superior na recapitulação do período infantil, os
genitores inutilizavam diariamente o serviço espiritual, com a
ternura viciosa e imprudente. Na libertação parcial do sono, Efraim
era advertido pelos amigos do caminho eterno, a respeito da
preparação necessária, mas logo que regressava à vigília, no
corpinho tenro, a mamãe o tratava como bebê destinado às
guirlandas de uma festa infantil; e o pai, voltando da repartição,
preocupava-se em aumentar entretenimentos e frioleiras. Assim, a
criança aprendia os nomes e gestos da gíria, acostumava-se a
repetir as expressões menos dignas, a atacar com as mãozinhas
cerradas, a insultar por brinquedo.
Quase
reduzido à condição de papagaio interessante e voluntarioso, foi
instado pelos amigos da esfera invisível a reconsiderar as
obrigações assumidas. Entretanto, quando falava dos sonhos que o
visitavam durante a noite, a mãezinha ralhava descontente: - “É
pura imaginação, meu filho! Vives impressionado com as histórias
da carochinha”. O pai ajuntava de pronto: - “Esquece os sonhos,
Efraim, lembra que o mundo sempre pediu homens práticos”.
O
rapazinho daí por diante começou a dispensar menos atenção ao
plano intuitivo. No fundo, porém, não conseguia trair as tendências
próprias. Dedicava inexcedível carinho aos livros de sabor
individual, onde a elevação de sentimentos constituísse tema
vitorioso. Exaltava-se facilmente no exame dos problemas da Religião,
como se quisesse, resistindo às incompreensões domésticas,
desferir os primeiros voos. No íntimo, adivinhava a realidade das
obrigações que lhe competiam, mas a ternura excessiva dos pais
contribuía a favor da preguiça e da agressividade. Onde Deus
atirava sementes divinas, os responsáveis humanos cultivavam heras
sufocantes.
No
colégio, Efraim não era mau companheiro; os genitores, porém,
desenvolviam tamanho esforço por destacar-lhe a condição, que, em
breve, a vaidade sobressaía como estranha excrescência na sua
personalidade.
E
a experiência humana continuou, marcando o conflito entre a vocação
do trabalhador e o obstáculo incessante do mundo. O plano invisível
buscava insistentemente conduzi-lo ao clima espiritual adequado as
realizações em perspectiva.
Enquanto
na Igreja Católica Romana, o rapaz não encontrava senão motivos
para acusações e xingamentos; transportado ao ambiente do culto
protestante, apenas fixava expressões humanas, esquecido das
substâncias divinas. Intimamente, Efraim experimentava aquela
necessidade de instruir e consolar as almas. Às vezes, não
conseguia sopitar os impulsos e desabafava em longas conversações
com os amigos. Guardando, porém, os títulos acadêmicos em vez de
usá-los como forças ascensionais para um conhecimento superior,
convertia-os em entulhos lastimáveis, mantendo futilidades pouco
dignas. Embalde a esfera espiritual o convidava à luta enobrecedora,
em profundos apelos do pensamento.
Agora,
casado e fundamente modificado pelas circunstâncias, Efraim parecia
impermeável aos conselhos diretos e indiretos.
Enfim,
depois de costear o continente infinito da Revelação divina em
diversas modalidades, foi dar às praias ricas do Espiritismo
cristão. Estava deslumbrado. A fé lhe revelava perfumes ignotos ao
coração, semelhando-se a olorosa flor de mata virgem. Experimentou
imediatamente a certeza de haver encontrado o lugar próprio. Ali,
certamente, desenvolveria o plano construtivo de que lhe faltava a
intuição nos recessos do espírito. Esqueceu, no entanto, que o
trabalho é fruto do esforço e que todo operário precisa improvisar
ou manejar ferramentas. Com dois anos de observação, ele, que se
habituara à ociosidade, recolhia-se ao desalento. Queixava-se de
tudo e de todos. Tinha a convicção de que necessitava edificar
alguma coisa em beneficio dos semelhantes, mas não se conformava com
os obstáculos.
Quando
um dos velhos amigos vinha convidá-lo ao serviço espiritual,
replicava enfaticamente:
-
Ora, “seu” Cunha, quem poderá destrinçar essa meada de médiuns
charlatães e exploradores sem consciência?! Francamente, sinto-me
cansado...
Depois
que o visitante encarecia as excelências da cooperação e a
necessidade do testemunho, Efraim exclamava desanimado:
-
Não posso ocupar-me com ficções nem partilhar dessa batalha
invencível.
Os
amigos da vida real são, contudo, infatigáveis na esperança e no
otimismo; para que o trabalhador encontrasse concurso fraterno,
formou-se repentinamente um grupo mais íntimo, na vizinhança de sua
residência, onde reduzido número de companheiros se propunham
estudar os problemas de autoaperfeiçoamento, colimando elevados
serviços no futuro. Efraim prometia cooperar na tarefa, mas em vão
o chamavam ao esforço diariamente. Estava sempre solícito na
indicação dos tropeços, mas nunca resoluto na execução da
própria tarefa. Cada dia apresentava uma desculpa aparentemente mais
justa, a fim de justificar a ausência no trabalho. Para ele a chuva
estava sempre gelada e o calor sufocante; os resfriados chamavam-se
amidalites, bronquites, febres, dispneias; os desarranjos do estômago
classificavam-se como hepatites, estreitamentos e gastralgias. A
mente viciada exagerava todos os sintomas. Quando assim não era,
aludia às contrariedades com o chefe de serviço no Instituto em que
lecionava, referia-se às enxaquecas da esposa, dizia das
enfermidades naturais dos filhinhos em desenvolvimento. A hora, a
situação ocasional, o estado físico, a condição atmosférica,
eram fatores a que recorria invariavelmente por fugir à contribuição
fraternal.
Por
fim, embora experimentasse o desejo sagrado de realizar a tarefa,
chegou ao insulamento quase completo, num misto de tristeza e
ociosidade.
Foi
nessa estação de amargura que a morte do corpo o requisitou para
experiências novas.
Durante
anos dolorosos, Efraim errou sem destino, qual ave desesperada da
sombra, até que um dia, esgotado o cálice dos remorsos mais
acerbos, conseguiu ouvir o antigo mentor, após angustiosas súplicas:
-
Meu filho, não te queixes senão de ti mesmo. O Dono da Vinha jamais
esqueceu os trabalhadores. Materiais, ferramentas, possibilidades,
talentos, oportunidades, tudo foi colocado pela bondade do Senhor, em
teus caminhos. Preferiste, porém, fixar os obstáculos, desatendendo
a tarefa. Reparaste o mau tempo, a circunstância adversa, o tropeço
material, a perturbação física e, assim, nunca prestaste maior
atenção ao serviço real que te levara ao Planeta. Esqueceste que o
trabalho da realização divina oferece compensações e tônicos que
lhe são peculiares, independentemente dos convencionalismos do mundo
exterior. O Senhor não precisa de operários que passem o tempo a
relacionar óbices, pedras, espinhos, dificuldades e confusões, e
sim daqueles que cooperem fielmente na edificação eterna, sem
interpelações descabidas, desde as atividades mais simples às mais
complexas. Enquanto olhavas o chão duro, a enxada enferrujou-se e o
dia passou. Choras? O arrependimento é bendito, mas não remedeia a
dilação. Continua retificando os desvios da atividade mental e
aguarda o futuro infinito. Deus não faltará, jamais, à boa vontade
sincera!
-
E quando poderei voltar à Terra, a fim de renovar meus esforços? –
perguntou Efraim soluçando.
O
benfeitor demorou a responder, esclarecendo finalmente:
-
Por agora, meu filho, não posso precisar a ocasião exata. Todo
trabalho edificante, em suas expressões diferentes, tem órgãos
orientadores, executivos e cooperativos. Ninguém pode iludir a ordem
na obra de Deus. Ante os novos caminhos tens largo tempo para
amadurecer os arrependimentos sinceros, porque, somente aqui, nesta
zona de serviço a que te subordinas presentemente, temos duzentos
mil e quinhentos e vinte e sete candidatos ao trabalho de consolação
e esclarecimento, no qual fracassaste no mundo. Como vês, não podes
regressar à Terra antes deles.
Livro
“Reportagens e Além Túmulo”. Psicografia de Francisco Cândido
Xavier
É
necessário muita coragem e muita renuncia para ajudar a quem nada
compreende do auxilio que se lhe oferece.
Livro
Nosso Lar
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