Tema da semana
Poder
De 09/02/2015 a 15/02/2015
Neio Lúcio
Eminente professor negro, interessado em
fundar uma escola num bairro pobre, onde centenas de crianças desamparadas
cresciam sem o benefício das letras, foi recebido pelo prefeito da cidade que
lhe disse imperativamente, depois de ouvir-lhe o plano:
— A lei e a bondade nem sempre podem estar
juntas. Organize uma casa e autorizaremos a providência.
— Mas, doutor, não dispomos de recursos... —
considerou o benfeitor dos meninos desprotegidos.
— Que fazer?
—De qualquer modo, cabe-nos amparar os
pequenos analfabetos. O prefeito reparou-lhe demoradamente a figura humilde, fez
um riso escarninho e acrescentou:
— O senhor não pode intervir na
administração. O professor, muito triste, retirou-se e passou a tarde e a noite
daquele sábado, pensando, pensando...
Domingo, muito cedo, saiu a passear, sob as
grandes árvores, na direção de antigo mercado. Ia comentando, na oração
silenciosa:
— Meu
Deus, como agir? Não receberemos um pouso para as criancinhas, Senhor?
Absorvido na meditação, atingiu o mercado e
entrou.
O movimento era enorme.
Muitas compras. Muita gente.
Certa senhora, de apresentação distinta,
aproximou-se dele e tomando-o por servidor vulgar, de mãos desocupadas e cabeça
vazia, exclamou:
— Meu velho, venha cá.
O professor acompanhou-a, sem vacilar.
À frente dum saco enorme, em que se
amontoavam mais de trinta quilos de verdura, a matrona recomendou:
— Traga-me esta encomenda.
Colocou ele o fardo às costas e seguiu-a.
Caminharam seguramente uns quinhentos metros
e penetraram elegante vivenda, onde a senhora voltou a solicitar:
— Tenho visitas hoje. Poderá ajudar-me no
serviço geral?
— Perfeitamente — respondeu o interpelado —,
dê suas ordens.
Ela indicou pequeno pátio e determinou-lhe a
preparação de meio metro de lenha para o fogão.
Empunhando o machado, o educador, com
esforço, rachou algumas toras. Findo o serviço, foi chamado para retificar a
chaminé. Consertou-a com sacrifício da própria roupa. Sujo de pó escuro, da
cabeça aos pés, recebeu ordem de buscar um peru assado, à distância de dois
quilômetros. Pôs-se a caminho, trazendo o grande prato em pouco tempo. Logo
após, atirou-se à limpeza de extenso recinto em que se efetuaria lauto almoço.
Nas primeiras horas da tarde, sete pessoas
davam entrada no fidalgo domicílio. Entre elas, relacionava-se o prefeito que
anotou a presença do visitante da véspera, apresentado ao seu gabinete por
autoridades respeitáveis. Reservadamente, indagou da irmã, que era a dona da
casa, quanto ao novo conhecimento, conversando ambos em surdina.
Ao fim do dia, a matrona distinta e
autoritária, com visível desapontamento, veio ao servo improvisado e pediu o
preço dos trabalhos.
— Não pense nisto — respondeu com sinceridade
—, tive muito prazer em ser-lhe útil.
No dia imediato, contudo, a dama da véspera
procurou-o, na casa modesta em que se hospedava e, depois de rogar-lhe
desculpas, anunciou-lhe a concessão de amplo edifício, destinado à escola que
pretendia estabelecer. As crianças usariam o patrimônio à vontade e o prefeito
autorizaria a providência com satisfação.
Deixando transparecer nos olhos úmidos a
alegria e o reconhecimento que lhe reinavam n’alma, o professor agradeceu e
beijou-lhe as mãos, respeitoso.
A bondade dele vencera os impedimentos
legais.
O exemplo é mais vigoroso que a argumentação.
A gentileza está revestida, em toda parte, de
glorioso poder.
Xavier, Francisco Cândido. Da obra: Alvorada
Cristã.
Ditado pelo Espírito Neio Lúcio.
11a edição. Rio de Janeiro, RJ: FEB, 1996.
Ditado pelo Espírito Neio Lúcio.
11a edição. Rio de Janeiro, RJ: FEB, 1996.
A gentileza é filha dileta da renúncia e
guarda consigo o dom de tudo transformar em favor do infinito bem.
Referência: XAVIER, Francisco Cândido. Dicionário da alma. Autores Diversos;
[organização de] Esmeralda Campos Bittencourt. 5a ed. Rio de Janeiro: FEB,
2004. -
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